O João nasceu em Angola, onde viveu os primeiros anos de vida com os seus pais e irmãos: "Eu nasci em Angola, na cidade de Lubango, em 1957. O meu pai tinha lá um negócio [...] e depois, em 1965, veio para o Porto, para Costa Cabral. Em 1966, [o pai] concorreu a Gaia, para um bairro... até hoje, vivo lá.". Já em Portugal, começou a frequentar a escola, no ensino básico, e sempre teve dificuldades de aprendizagem e de adaptação, por isso, cedo abandonou os estudos e começou a trabalhar para ajudar a família: "depois não quis estudar, o meu pai pôs-me a trabalhar, aos 14 anos, na oficina de serralheiro.". Apenas conseguiu terminar a sua formação anos mais tarde: "Eu fiz o 6º ano de escolaridade numa formação, em 2005. Fiz o 9º (ano) agora, no ano passado, no Externato de Santa Clara."
Trabalhou em várias fábricas até aos 48 anos e depois acabou por ir trabalhar noutros países: "Andei a trabalhar, até aos 48 anos, em várias fábricas. Depois os contratos não renovavam, as fábricas fechavam e andava sempre a mudar... sempre a mudar o contrato [...] Andei a fazer três cursos de formação e depois trabalhei na Alemanha, Holanda, Inglaterra". Diz que gostou muito de estar na Holanda, mas "o trabalho é que era duro, era nas estufas [...] aquilo, em três dias, colhia-se para os cestos para exportar. Ganhava-se à hora... era muito violento, muitas horas."
Já de volta a Portugal, acabou por se reformar porque, segundo ele, "já estava velho para trabalhar. Já havia muita gente nova... apareciam os novos e os patrões metiam os novos. Eu reformei-me com 58 anos [...] fui muito penalizado."
Depois de ficar desempregado nunca mais conseguiu arranjar trabalho. Perdeu muito apoio da família depois de os seus pais falecerem, o que fez com que ficasse numa situação económica instável e isto levou-o a recorrer a instituições (carrinhas) para garantir comida: "Foi andar nas carrinhas, como os outros, a ir buscar comida e roupas. Perante invernos, perante chuvas... andar aí para ter qualquer coisa para comer, para lanchar [...] depois de ficar desempregado, nunca mais arranjei emprego e a minha família... depois que os meus pais morreram, a família (separou-se) [...] os meus pais morreram e eles [refere-se aos irmãos] venderam a casa, fizeram as partilhas e agora não querem saber de ninguém."
Durante o tempo em que recorria aos apoios para se conseguir sustentar e manter a sua casa, foi conhecendo várias pessoas e começou a participar em diferentes atividades: "Já fiz peças de teatro e de música para a Apuro. E na EAPN já fiz campanhas de combate à pobreza... que agora, de certeza que vou ser convidado para fazer o dia mundial da pobreza". Esta participação permite-lhe ser e sentir-se produtivo, além de estar muito envolvido na vida em sociedade: "Sinto-me útil... a ajudar os outros. (Saber) como é que supero a minha vida, como é que eu luto, como é que me aceito perante os outros.".
Neste momento, tem a sua casa, que conseguiu com ajuda de um dos irmãos, e aluga quartos para garantir apoio nas despesas, o que nem sempre correu da melhor maneira: "Nos primeiros (tempos) foi complicado... as pessoas roubaram-me algumas coisas de casa, abusavam, não respeitavam, gastavam... depois chegou ao fim do mês, foram-se embora e não pagaram [...] em maio, as pessoas foram-se embora e não pagaram, deixaram a casa vazia e eu só com a minha reforma e dívidas para pagar". Apesar de continuar a alugar os quartos, a sua confiança nas pessoas já não é a mesma e isso faz com que, por vezes, tenha mais dificuldade em manter consigo os seus inquilinos e a estabilidade que deseja.
Hoje, aproveita o tempo para envolver-se em atividades nas instituições de que faz parte e procura estar várias vezes com os amigos: "É para lá, no bairro... vou ao café estar com um amigo ou outro, pronto, à noite [...] depois é tentar desanuviar um bocadito... conversamos sobre as situações uns dos outros e trocamos ideias uns com os outros.".
A conversa termina com o João a dizer que gostava de um dia aproveitar uma casa de família, na aldeia, para eventos: " Queria ir à aldeia, lá à parte da casa dos moinhos dos meus primos... falar com eles, a ver se querem alugar aquela casa a mim, que está abandonada... aquela casa já foi uma discoteca há 30 anos. E fazer eventos, por exemplo karaoke... fazer eventos... feiras, casamentos ou qualquer coisa.". É este o seu grande, e o mais antigo, sonho.
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