Isabel Martins

Publicado em 24 de abril de 2024 às 12:35

Isabel viveu uma infância e adolescência feliz, junto da sua família: "A minha infância foi espetacular… fui uma menina muito mimada, estudei em colégios particulares… tive uma boa vida. A adolescência também foi ótima. Deixei de estudar porque resolvi que tinha de ir trabalhar… arrependi-me seriamente de ter deixado de estudar [...] eu gostava de ter tirado enfermagem". Trabalhou durante vários anos, entre os quais sempre viveu no Porto com a mãe e teve o seu único filho: "Eu vivi 50 anos com a minha mãe. Vivi parte da minha vida com a minha mãe, até ela morrer [...] Sempre fui eu sozinha, com o Miguel [filho] e a minha mãe". Sobre a sua relação com o Miguel, explica que "sempre fomos muito unidos... e agora é um bocado complicado, tanto para mim como para ele, estarmos separados... continuamos a estar juntos, mas já não temos aquela cumplicidade, em casa, de cozinharmos, de fazermos bolos"

Desde que a sua mãe faleceu e que teve que abandonar a casa que sempre conheceu, a vida ficou mais difícil: "arranjámos uma casa numa ilha [...] era espetacular... pequenina, tinha um quarto em baixo e um quarto em cima... dava para mim e para o Miguel. Só que, quando começou o mau tempo, a água escorria pelas paredes abaixo de tanta humidade que tinha... e aí eu comecei a ficar com mais problemas (de saúde). Mudámos para um T1, num quarto andar, com um terraço espetacular... só que depois o senhorio morreu e fizeram daquilo um alojamento local [...] Depois estivemos num quarto, na Boavista [...] a gente pagava o quarto e não nos sobrava muito para comer, tínhamos que recorrer mesmo (às carrinhas)... e aquele pessoal, pronto... toda a gente tomava conta de nós [...] Nós tivemos sempre ali pessoas (amigas), também não criávamos conflitos"

Isabel e o filho foram várias vezes obrigados a mudar de casa, vendo-se impossibilitados de construir uma vida estável, até que a rua foi a única opção: "(estivemos) pouco tempo na rua mesmo, porque depois arranjámos uma casa abandonada [...] tinha lá mais um rapaz que também é da rua, está há vários anos na rua [...] era também um fulano impecável". E, durante algum tempo, ainda estiveram no aeroporto:"Estás abrigado, tens segurança, está quente. Há lá pessoas que já estão há anos" "a gente às vezes de manhã é que encontrava sumos, produtos de higiene, pequeno-almoço... Então garrafas de água e [...] olha, daquelas almofadas (de pescoço), tínhamos três.".

Foi perto do período pandémico que conseguiram ir para um centro de acolhimento: "Estivemos 18 meses no Joaquim Urbano, porque apanhamos pandemia e aquela coisa toda [...] Dávamo-nos bem, mas sabes como é... estar numa instituição [...] Embora aquilo fosse bom, e gostavam muito de nós, é sempre aquela coisa de não teres a tua total privacidade [...] (mas) ia muitas vezes para a oficina fazer trabalhos... ajudava muitas vezes na copa, porque eu gostava de ir para lá". Quando encontrou um quarto, Isabel acabou por sair da instituição, mas refere que "o pessoal, ainda hoje, eu peço qualquer coisa e estão sempre disponíveis. Eu posso ir cortar o cabelo lá, por exemplo.".

Hoje em dia, no sítio onde se encontra: "eu entro e saio, estou no meu canto. Quando saio [...] vou tratar dos ‘dogs' [refere-se aos seus dois cães, que ficaram no Joaquim Urbano], vou almoçar... há uma amiga minha que vai agora almoça lá [refere-se à cantina social], às vezes vamos dar uma volta... ou vou eu dar uma volta, e volto para o quarto". No entanto, por estar num quarto alugado e partilhar a casa com outras pessoas, nem sempre se sente totalmente à vontade: "não posso ter isto, não posso ter aquilo... sei que me entram no quarto... cheguei a apanhar lá (pessoas) e estive para sair, porque não gostava".

Quando pensa futuro, anseia principalmente em ter o seu próprio espaço: "Gostava de ter um sítio onde pudesse ter as minhas coisas e fazer as minhas coisas, os meus artesanatos, para ver se conseguia começar a vender [...] ter um sítio onde pudesse ter os meus 'dogs'... onde pudesse ter as minhas coisas... se quisesse levar uma amiga para conviver... ali não posso [...] queria ter o meu canto". Por agora, vai aproveitando, da maneira que pode, os momentos com o seu filho: "Agora vamos ver o museu da casa das bonecas. Esse eu quero ver... o meu sonho era ter uma casinha de bonecas".

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