Carlos Rodrigues

Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 17:15

O Carlos viveu uma infância difícil, marcada por mudanças repentinas, além de algumas perdas: "Eu e o meu irmão mais velho... como a minha mãe e a minha avó não tinham maneira de estar sempre a tomar conta de nós, a Junta (de freguesia) decidiu meter-nos num colégio, na Santa Casa da Misericórdia [...] Eu fui para lá, mais ou menos com 1 ano/1 ano e meio [...] Elas iam lá visitar-nos, tinham umas horas... mas depois a minha mãe começou com os problemas de saúde, começou a ficar internada no Hospital [...] A minha mãe, pronto, alimentava-se mal e só bebia... foi quando ela começou a ganhar a cirrose. Com os seus 35 anos, tinha falecido [...] e nós acabámos por ganhar mais confiança com o nosso pai desde que a minha mãe acabou por falecer... ele depois é que começou a fazer-nos lá as visitas".

Acabou por sair do colégio da Santa Casa da Misericórdia quando tinha 16 anos. Explica que "fui viver com os meus tios e comecei a trabalhar na Construção Civil", mas as coisas não correram como esperava: "a minha tia acabava por favorecer os filhos [...] ou seja, escravizava-nos mais um bocado [...] se eu trouxesse dinheiro no bolso, ela via o dinheiro e já não me dizia nada... eu tinha que dar a féria [dinheiro] toda em casa [...] uma vez, eu estava com fundo de desemprego... ela estava a fazer um bocado de cevada e quando me apercebo, sinto qualquer coisa a bater-me na cabeça, mas não desmaiei... só deito a mão e vejo sangue [...] foi mesmo com uma cafeteira, que me abriu a cabeça [...] ela era uma pessoa muito cruel".

Algum tempo depois, saiu de casa dos tios e ficou a dormir nas ruas do Porto: "Acabei por estar a dormir ali nos Poveiros, ali num parque [...] andava sempre sozinho". Conseguiu encontrar trabalho e foi ganhando alguma confiança com as pessoas que conhecia, até ser recebido nos albergues. Quando fez esta mudança diz que "era uma pessoa muito fechada [...] retirava-me sempre (dos convívios)... não me sentia bem", mas passado algum tempo começou a ser mais participativo: "Nos albergues eu tinha o futsal, tinha a jardinagem".

O Carlos é uma pessoa muito ativa e com vários talentos, sendo reconhecido pela sua capacidade de trabalho e energia. Está, por isso, envolvido em diversos projetos que o realizam:  "O Som da Rua eu já conhecia de quando faziam ensaios nos albergues, mas só comecei a fazer ensaios através da AMI." "No teatro, eu comecei nos albergues através de umas atividades [...] Depois eu representei lá, no espaço de três meses, com uma pessoa mesmo especializada na área... e acabei por trabalhar com jovens e com um grupo de idosos [...] No teatro há muito convívio em si e ajudamo-nos uns aos outros. Quando contamos histórias, uma pessoa para um bocado no tempo para pensar e ver o que tem mais sentido na vida."

Vive agora no Abrigo Noturno do Porto (AMI), mostrando-se orgulhoso com essa mudança: "Senti-me bem, porque já tinha pessoal lá conhecido que esteve comigo nos albergues [...] aprendi... incentivaram-nos nas escalas de fazer uma limpeza, fazer uma copa, saber me desenrascar, saber orientar o colega novo [...] Eu gosto de lá estar e convivo com várias pessoas [...]. Incentivo sempre as pessoas quando é para ver as coisas de outra maneira, evitar que elas sejam castigadas".

Em 2020/2021, o Carlos concluiu o quarto ano de escolaridade, a partir de um curso de jardinagem e diz "o meu futuro é ter um emprego na área que eu gosto, na jardinagem, e ter a minha independência", revelando a sua grande vontade de continuar a trabalhar e a investir em si próprio.

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