O Manuel cresceu em Marco de Canaveses e mudou-se para o Porto quando tinha os seus 20 anos. Sempre foi um amante de futebol e fez parte de vários clubes, dedicando-se a esse desporto. Mais tarde, teve que desistir dessa atividade para trabalhar e conseguir ajudar a mãe: "Tive que optar pelo futebol ou trabalhar, porque a minha mãe era uma pessoa que não conseguia ter dinheiro para tudo [...] 'tive a trabalhar em serração. Depois o segundo trabalho que eu tive foi a minha irmã (que arranjou)... era um armazém grande, eu comecei para lá a embalar roupas. Fui sempre uma pessoa produtiva, uma pessoa humilde. [...] 'tive em Espanha a trabalhar, depois 'tive a trabalhar em França.".
Antes de ir para França, conheceu a mãe do seu primeiro filho e com ela viveu durante algum tempo.
Depois de se separar da companheira e de perder a sua mãe, o Manuel começou a consumir álcool até ficar sem controlo sobre isso e perder todos os trabalhos que tinha: "Foi a morte da minha mãe [...] e depois foi a separação da minha mulher. Foi aí, quando eu perdi dois amores, que me comecei a sentir só, comecei a perder trabalhos [...] comecei depois a meter-me no álcool, a meter-me na noite e pá... e fui andando, fui andando, até que comecei a beber um garrafão de vinho. E pronto, depois comecei a cair na decadência."
"Eu nunca dormi na rua, nunca perdi a minha autoestima, que também foi uma coisa muito importante.... Eu fui dormir para o Joaquim Urbano. Cheguei lá e entreguei-me [...] Tive nos albergues, tive lá três/quatro meses ou isso [...] Fui para o abrigo (AMI) também, onde aprendi algumas coisas, a adaptação lá não era como nos albergues, era mais (difícil)... Levei muitos castigos, que também é normal, mas tive lá pessoas que até me ajudaram."
Viu-se sem trabalho, sem casa e obrigado a recorrer aos apoios sociais, nomeadamente as casas de abrigo, e recorda que "O álcool foi a isso que me levou, a perder os trabalhos, perder a família".
Apesar das muitas dificuldades e desgostos de que se lembra nessa altura, refere que foi uma passagem necessária e que teve muito apoio.
"Custava-me mais estar lá dentro do que ver os outros a beber [...] Nos Natais, por exemplo, sentia-me muito triste nos Natais. No Natal e... e no dia dos meus anos... Eram aqueles dias que nunca mais passavam. Eu deitava-me na cama e nem queria comer. Nesses dias e no dia da Mãe. A maior parte também estava todo chapado, que eu queria era dormir. Eu levantava-me bêbado, acordava bêbado.".
"Mas foi uma boa passagem - tomara não ter passado - mas aquela passagem, que eu passei pelo albergue, até foi bom... pessoas que já conhecia e lá dentro reencontrei-as e [...] também é para uma pessoa ver até onde vai na decadência do álcool". Ao falar deste assunto reconhece: "Eu sempre tive apoio, porque eu já nos albergues eu sempre tive o apoio das doutoras... eu fui um utente que elas hoje orgulham-se de mim".
Neste percurso, o medo de morrer fez com que quisesse deixar de beber e tivesse força para reorganizar a sua vida familiar e de trabalho. "Se eu não deixasse (de consumir), morria. [...] Estive na parte de lá [refere-se à morte] e ainda hoje a minha doutora Joana pergunta como é que eu estou na parte de cá [refere-se à vida].".
Durante a conversa, explica o episódio que o levou a conseguir deixar o álcool e recuperar controlo sobre si próprio: "Dia 15 de maio. Nunca mais me esqueço desse dia. Vou-te dizer... Eu caí no Piolho [bar na Cordoaria]. Tinha estado a beber, mais medicação... e pronto. Acordei no Hospital. 'Tive duas semanas sem comer, apenas a soro. 'Tive lá 3 meses. Estive em coma. [...] ela (enfermeira) disse "você esteve quase (a morrer) e nós ainda hoje não sabemos como você está aqui". Isso são coisas que marcam [...] (Senti) medo.".
Quando saiu do Hospital, voltou para o albergue e ficou lá até conseguir uma vaga no abrigo "Depois fui para os albergues e começaram a perceber que eu era capaz. Pessoas preocupadas comigo, as doutoras... Eu tive sorte de ir para os albergues, das pessoas que me rodearam e ajudaram muito... que me deram muita moral, muita atenção e viram que realmente estava ali um Manel que podia dar frutos mais."
Depois de algum tempo sem beber álcool, conseguiu arranjar trabalho e restituir a sua independência e liberdade. Para sua grande motivação, encontrou um quarto (onde vive atualmente sozinho) e saiu do abrigo: "Conseguir depois vir para um quarto... em 1 ano eu consegui trabalho, consegui tirar a carta (de condução), consegui fazer duas formações [...] tudo num ano para mim foi bom! E isso, porque eu estava a precisar de não ser telecomandado. A minha vida, desde que eu entrei num quarto, a minha vida num ano mudou completamente.".
Quando diz "Onde eu me estraguei, foi onde eu me levantei e onde eu hoje trabalho [Praça dos Poveiros] e é isso que ainda me dá mais força [...] Porque foi lá (na Praça dos Poveiros) que eu comecei a beber mais. [...] Onde eu me estraguei, foi onde me deram a mão para eu me levantar.", o Manuel acaba por resumir o seu percurso com orgulho, demonstrando a força e determinação na procura de uma vida melhor, e conclui "Há 5 anos que deixei o álcool, eu comecei a ver a minha vida de outra maneira... e sinto-me realizado e sinto-me uma pessoa útil ao mundo... como eu sou útil ao mundo, outras pessoas como eu, que passaram por aquilo que eu passei, também são [...] Hoje sinto-me uma pessoa tranquila, sei bem aquilo que quero, os passos que dou, sei bem com quem é que posso contar, em quem posso confiar... e tenho uma coisa muito importante na minha vida, é que eu recuperei a minha família".
Depois deste período, o Manuel conseguiu reconquistar a sua família e é principalmente nos filhos que procura a força e motivação para manter uma vida ativa, saudável e feliz: "Eu acho que, neste momento, todas as pessoas que me rodeiam dão-me motivação extra e ter um trabalho ainda mais motivação tenho, mais valor dou à vida [...] O que é que tu achas quando um pai é alcoólico e deixa o álcool? O que é que achas que um filho sente? (Orgulho)... Eu sinto orgulho dos meus filhos e sinto orgulho de mim. [...] Eles são uma motivação extra.".
Hoje em dia, o Manuel diz "sou um homem realizado, com muitos planos [...] Eu agora dou valor à vida. Sou uma pessoa que dou valor ao trabalho. E para mim também é importante quando me chamam para ir fazer depoimentos [refere-se à partilha da sua história perante o público]. Para quem deixou o álcool, também é uma motivação, porque as pessoas dão valor".
A conversa termina com uma reflexão do próprio: "Há uma coisa que nunca me vai sair da cabeça... Um sem-abrigo é um humano... e há muitos sem-abrigo que as pessoas não dão o devido valor. Mas as pessoas têm que se lembrar que hoje ele está naquela situação e amanhã pode ser a outra pessoa. Eu já vi muitos a cair.".
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